Ao Arthur Guerreiro
de meu bunker impenetrável,
- submerso em vida de
poucos dizeres e recursos -
tento,
em vão, enviar uma mensagem
ao mundo acima da superfície.
mas de nada adianta código morse,
cartas em garrafa, hieróglifos em
parede,
mensagem em smartphone,
sinais de fumaça,
telefone de lata, mímica, libras,
poesia...
escrevo em frequência não
sintonizada,
decibéis mínimos inaudíveis aos que
caminham
na superfície, e quando creio ser ouvido por
estar
munido de britadeira, descubro a sola dos
pés
me pisando e britando a parca tentativa.
hoje grito minha
desistência, minha rendição.
bem sei que não é pomposo como o
inventado
grito do ipiranga,
talvez pelo fato de independência
ser um motivo mais nobre para se gritar;
mas se grito são por
meus motivos, e como tudo
o que é meu é parco,
pobre e sem relevância,
o grito segue a tradição do inaudível e é
abafado
pelo bater das panelas tentando
espantar demônios.
hasteio a bandeira
branca, mas sendo o inimigo
a própria indiferença, a bandeira não é
visualizada.
tremulo
o pano branco em súplica
pela piedade e pela
liberdade de fracassar
em pleno silêncio de luto e
consternação.
tremulo o pano branco em súplica
pelo cessar fogo para
sair à procura de meus pedaços
espalhados
em meio ao campo de batalha.
que eles possam, pelo
menos, ter a dignidade
em morte que não tiveram em vida.
tremulo
o pano branco em súplica,
mas os incessantes ataques que me desmembram
e me sangram já fazem do pano branco o
vermelho.
quando o vermelho
tremula é faísca,
chamado para a guerra, libertar
da tourada,
e como posso me
defender com sessenta quilos
de massa e algumas palavras no bolso?
pois então volto ao meu
engenho,
enfastiado de fantasiar
o mundo e acreditar
que meus engenhos são
de alguma valia.
a tristeza e seus
sinônimos se alegram
pela presença constante
em meus novos engenhos.
findados os suprimentos
do amor, não posso
recorrer ao que não encontro no
mundo.
tenho em meu bunker
um punhado de lágrima,
pouca coisa de angústia,
e ramalhetes pequenos de alguma
esperança.
esses últimos tenho
desperdiçado em engenhos
que se queimaram ainda em fase de projeto.
de meus últimos
recursos,
fabrico uma bomba derradeira capaz
de libertar a
indiferença de sua condição catatônica.
se pelo menos o engenho final resultar
vitorioso,
as centenas de derrotas
passadas talvez
tenham sido apenas trilha em campo minado
para alcançar uma lembrança em nome.
amarro meu novo engenho
em meu corpo
e me despeço dos demais...
choram, mas eles não
têm culpa do fracasso, pois
antes do fracasso
deles, fracassou o criador e fracassou o
mundo.
- ele devia escrever
coisas que o povo gosta mais...
assim soou uma de
poucas opiniões
sobre engenhos feitos repletos de
amor e carinho,
mas que foram recebidos
com deboche e indiferença
pelo mundo, tal como o aviador do pequeno
príncipe e seu desenho da cobra
e elefante.
hoje grito minha
desistência, minha rendição,
mas não escreverei o que querem que eu
escreva.
graças aos engenhos que
escrevi,
meu bunker me pareceu
sempre um lugar feliz.
alguns pendurei nas paredes;
era bom observá-los e davam boa
decoração.
outros, expus na
superfície, mas os olhos de quem
os viam não eram os
mesmos olhos de quem os criou.
os salvei a tempo do
linchamento e prometi
não levá-los mais à
superfície, mas de quando em vez
arrisco dar as caras
com algum engenho que julgo
ser verdadeiramente
forte, mais forte do que o criador,
e que o mundo talvez
pudesse valorizar,
mas me engano e retomo
à labuta do anonimato.
hoje grito minha
desistência, minha rendição.
tento informar ao mundo
dessa inefável
notícia, mas o telefone está
mudo.
e se tratando de verbo defectivo
e não haver conjugação
em primeira pessoa
do presente do indicativo,
corro o risco
de meu último ato em
vida recorrer em outro erro,
mas que pelo menos termina em rima:
expludo.