8.8.15

TELEFONE MUDO

Ao Arthur Guerreiro

           de meu bunker impenetrável,
- submerso em vida de poucos dizeres e recursos -
      tento, em vão, enviar uma mensagem
                        ao mundo acima da superfície.

  mas de nada adianta código morse,
           cartas em garrafa, hieróglifos em parede,
mensagem em smartphone, sinais de fumaça,
     telefone de lata, mímica, libras, poesia...

escrevo em frequência não sintonizada,
         decibéis mínimos inaudíveis aos que caminham
 na superfície, e quando creio ser ouvido por estar
              munido de britadeira, descubro a sola dos pés
     me pisando e britando a parca tentativa.

hoje grito minha desistência, minha rendição.

          bem sei que não é pomposo como o inventado
grito do ipiranga, talvez pelo fato de independência
     ser um motivo mais nobre para se gritar;
mas se grito são por meus motivos, e como tudo
o que é meu é parco, pobre e sem relevância,
         o grito segue a tradição do inaudível e é abafado
pelo bater das panelas tentando espantar demônios.

hasteio a bandeira branca, mas sendo o inimigo
     a própria indiferença, a bandeira não é visualizada.

   tremulo o pano branco em súplica
pela piedade e pela liberdade de fracassar
        em pleno silêncio de luto e consternação.

   tremulo o pano branco em súplica
pelo cessar fogo para sair à procura de meus pedaços
         espalhados em meio ao campo de batalha.
que eles possam, pelo menos, ter a dignidade
                       em morte que não tiveram em vida.

   tremulo o pano branco em súplica,
         mas os incessantes ataques que me desmembram
 e me sangram já fazem do pano branco o vermelho.

quando o vermelho tremula é faísca,
              chamado para a guerra, libertar da tourada,
e como posso me defender com sessenta quilos
      de massa e algumas palavras no bolso?

pois então volto ao meu engenho,
enfastiado de fantasiar o mundo e acreditar
que meus engenhos são de alguma valia.

a tristeza e seus sinônimos se alegram
pela presença constante em meus novos engenhos.
findados os suprimentos do amor, não posso
             recorrer ao que não encontro no mundo.

    tenho em meu bunker
um punhado de lágrima, pouca coisa de angústia,
              e ramalhetes pequenos de alguma esperança.
esses últimos tenho desperdiçado em engenhos
   que se queimaram ainda em fase de projeto.

de meus últimos recursos,
         fabrico uma bomba derradeira capaz
de libertar a indiferença de sua condição catatônica.
       se pelo menos o engenho final resultar vitorioso,
as centenas de derrotas passadas talvez
         tenham sido apenas trilha em campo minado
     para alcançar uma lembrança em nome.

amarro meu novo engenho em meu corpo
e me despeço dos demais... choram, mas eles não
têm culpa do fracasso, pois antes do fracasso
      deles, fracassou o criador e fracassou o mundo.

- ele devia escrever coisas que o povo gosta mais...
assim soou uma de poucas opiniões
          sobre engenhos feitos repletos de amor e carinho,
mas que foram recebidos com deboche e indiferença
      pelo mundo, tal como o aviador do pequeno
               príncipe e seu desenho da cobra e elefante.

hoje grito minha desistência, minha rendição,
    mas não escreverei o que querem que eu escreva.

graças aos engenhos que escrevi,
meu bunker me pareceu sempre um lugar feliz.

     alguns pendurei nas paredes;
            era bom observá-los e davam boa decoração.
outros, expus na superfície, mas os olhos de quem
os viam não eram os mesmos olhos de quem os criou.

os salvei a tempo do linchamento e prometi
não levá-los mais à superfície, mas de quando em vez
arrisco dar as caras com algum engenho que julgo
ser verdadeiramente forte, mais forte do que o criador,
e que o mundo talvez pudesse valorizar,
mas me engano e retomo à labuta do anonimato.

hoje grito minha desistência, minha rendição.
tento informar ao mundo dessa inefável
                notícia, mas o telefone está mudo.

        e se tratando de verbo defectivo
e não haver conjugação em primeira pessoa
                     do presente do indicativo, corro o risco
de meu último ato em vida recorrer em outro erro,
           mas que pelo menos termina em rima: expludo.