À Cely Vilhena
não existe silêncio quando se nasce poeta.
o sopro que me
acompanha diariamente não é
apenas do prolapso da válvula mitral
diagnosticado
desde tenra idade, mas
do mundo em possibilidades.
palavras mansas me vêm
em brisa
ao passar a mão em formas delicadas
de vida
que são as flores da
praça - todas batizadas com
nomes de mulheres que amo, amei ou ainda
amarei.
palavras duras me vêm em tornado
de velocidade cinco na tentativa
de arrancar a dor
no peito que se alicerça sete metros abaixo
da terra
e torna-se bunker
impenetrável até para as palavras
mais explosivas catalogadas em dicionários.
palavras escritas em
agosto carregam em si
desgosto
por seus significados e aplicações.
despejadas em forma
bruta, sem nenhuma lapidação,
retratam sentimento
imediato como corte em que
o sangue ainda não
coagulou, escancarando
a fragilidade da presença do
humano.
escrever é confessar a si mesmo
a ignorância de não saber escrever,
de não aplicar o
pronome possessivo
à pessoa correta como manda a gramática,
de não usar a vírgula quando a pausa
exige,
de repetir incessantemente a mesma palavra
e não oferecer fôlego suficiente ao
leitor
quando o espaço entre dois pontos finais
é maior do que o oxigênio
armazenado.
escrever é jamais
fechar-se em ponto final,
pois não existe nada
mais belo do que reticências
em pulsações de
arritmia registradas
em eletrocardiograma ou mesmo em poesia.