4.8.15

ARRITMIA POÉTICA

À Cely Vilhena

  não existe silêncio quando se nasce poeta.
o sopro que me acompanha diariamente não é
     apenas do prolapso da válvula mitral diagnosticado
desde tenra idade, mas do mundo em possibilidades.

palavras mansas me vêm em brisa
          ao passar a mão em formas delicadas de vida
que são as flores da praça - todas batizadas com
    nomes de mulheres que amo, amei ou ainda amarei.

         palavras duras me vêm em tornado
de velocidade cinco na tentativa de arrancar a dor
    no peito que se alicerça sete metros abaixo da terra
e torna-se bunker impenetrável até para as palavras
        mais explosivas catalogadas em dicionários.

palavras escritas em agosto carregam em si
        desgosto por seus significados e aplicações.
despejadas em forma bruta, sem nenhuma lapidação,
retratam sentimento imediato como corte em que
o sangue ainda não coagulou, escancarando
                a fragilidade da presença do humano.

  escrever é confessar a si mesmo
          a ignorância de não saber escrever,
de não aplicar o pronome possessivo
    à pessoa correta como manda a gramática,
          de não usar a vírgula quando a pausa exige,
 de repetir incessantemente a mesma palavra
           e não oferecer fôlego suficiente ao leitor
    quando o espaço entre dois pontos finais
             é maior do que o oxigênio armazenado.

escrever é jamais fechar-se em ponto final,
pois não existe nada mais belo do que reticências
em pulsações de arritmia registradas
    em eletrocardiograma ou mesmo em poesia.