25.7.15

POEMA DE ALGODÃO

Ao Cosme Chuvasco

meu bom barão,
não o conheço pessoalmente
pelo fato de você não existir realmente,
apenas materializado na imaginação
                    daqueles que tiveram o privilégio
de acompanhar sua vida sobre as árvores
         no reino de penúmbria.

bem sei como é viver nas alturas.
- não que eu seja uma espécie de mogli
do terceiro milênio, embora muitos lobos
espreitem a procura de um único deslize -
    
    sei por ser poeta e viver todo o tempo
nas nuvens que, semelhantes às copas das árvores
       por onde passou, são diferentes entre si.

talvez pense que nuvens são partículas visíveis
de água ou gelo em suspensão na atmosfera
como contam esses livros científicos,
         mas - palavra de poeta - são algodão doce,
   iguaria típica da incrível culinária celeste.

nuvens cirrus são poemas delicados.
         cada verso minuciosamente feitos à mão
em pequenas fibras que dissolvem-se no céu.
     finos cabelos que vão se escovando ao vento
sem a vergonha de serem grisalhos.
      em penúmbria, seria o fruto do damasqueiro.

nuvens cirruscumulus são poemas velhinhos.
        as rugas já tomam conta do rosto, mas trazem
em si a experiência dos que há muito começaram
e hoje partilham teus retalhos com os jovens
    sem, no entanto, criar sombra em cima deles.
                  em penúmbria, seria o fruto da videira.

nuvens cirrustratus são poemas pessimistas.
        véu que cobre até a cabeça com medo da
  tempestade futura, mas que, de vez em quando,
    cria coragem e espia através de um pequeno halo
para ver se a luz do sol ainda brilha lá fora.
          em penúmbria, seria o fruto da bananeira.

nuvens altostratus e altocumulus são poemas quentes,
casal em banho de espuma que perde-se no amar
e acaba saindo da banheira cheio de rugas nos dedos.
em penúmbria, seria o fruto do morangueiro.

nuvens stratus são poemas melancólicos.
nevoeiro que impede de enxergar a esperança
no fim de todas as coisas e sempre dá a impressão
de que no fim do túnel o que há é o trem
           desgovernado e sem maquinista a bordo.
    em penúmbria, seria o fruto do pequizeiro.

nuvens stratucumulus são poemas turbulentos.
chacoalham o leitor pela intensidade das palavras,
mas só àqueles que mergulham em seu interior.
em penúmbria, seria o fruto da goiabeira.

nuvens nimbostratus são poemas que choram.
     palavras cinzentas que precipitam pela extensão
das páginas e evaporam até alcançarem os olhos
dos leitores... e assim chove duplamente.
    alguns se libertam e escorregam em arco-íris.
em penúmbria, seria o fruto do limoeiro.

nuvens cumulonimbus são poemas que sangram.
raios rasgam a pele, a carne e as hemácias,
revelando a fragilidade dos homens que levam
imensas bigornas em teus ombros.
        alguns se libertam e voam em tornados.
em penúmbria, seria o fruto da amoreira.

e as nuvens cumulus são poemas moradas,
meu bom barão, muito comum em todos os céus.
bem definidas em contorno são como o carvalho
          ílex de teu reino, onde tudo começou.

em minha cumulus leio toda a tua história
e fico feliz que, ao final de tantas árvores, tenha
           escolhido voar e vir morar também nos céus...

    ...e nos céus não tem escargots, só algodão.